O maior ídolo de meu pai era o Pelé. Francisco era paulista, corinthiano. E uma das minhas mais antigas lembranças da infância é de quando o Corinthians ganhou da Ponte Preta por 2×1, com o gol de Basílio, interrompendo um jejum de títulos de quase 23 anos. Foi uma euforia na casa, estava presente meu tio Augusto, eu tenho flashes em minha memória, tinha 5 anos.

Ao longo de toda sua vida, meu pai falava de Pelé com uma reverência absoluta. Descrevia jogadas, falava da sua importância, elogiava de mil formas. Eu, carioca, rubro-negro, embevecido pelo futebol de Zico, talvez também contaminado querer me afirmar e descontar o que o pai dizia, acho que não dava muita bola. Para meu alento, anos depois descobri que o próprio Pelé disse que Zico foi o maior que viu jogar depois dele.

Em 1979, meu pai me levou para ver Pelé jogar no Maracanã, pelo Flamengo. Foi uma das primeiras vezes que fui ao estádio. Naquela época, meu pai costumava me levar para ver vários tipos de jogos diferentes, com quaisquer times, pois havia a gratuidade no segundo tempo ou para crianças. Não lembro de ver jogos pela TV, só no estádio. E normalmente era assim, aproveitando a gratuidade. Esse jogo de Pelé pelo Flamengo, beneficente, de 1979, com Zico jogando com a camisa 9, é também uma dessas minhas lembranças eternas daquele templo. Eu já ainda tinha 6 anos e as lembranças são confusas, mas são outros flashes eternos em minha memória. Junto com os inúmeros jogos ouvidos no rádio Philco laranja, junto com minha mãe, rubro-negra fanática, como eu.

Um dia, com meu pai no Maracanã, já nos anos 80, encontramos Pelé na antiga fila para os elevadores. Aquele era um lugar mágico, e nunca vou me esquecer deste encontro. Meu pai, numa das poucas vezes que o vi reviver a criança, foi, eufórico, pedir um autógrafo. Em meu nome. Fiquei abismado de ver Pelé de perto, talvez, principalmente, em ver como meu pai ficou transformado. Dizem que Pelé tinha uma aura especial. Eu lembro de achá-lo baixo, mas havia uma inegável eletricidade no ar. Aquele abrir de portas dos elevadores, lá no último andar, que era sempre mágico, nunca fora tão especial. Pelé havia transformado meu pai novamente em criança. Com autógrafo dado no ingresso, guardado no bolso e tudo, era pura felicidade.1

A partir daí, esse o autografado passou a conviver com os recortes de Zico, normalmente da revista Placar, na parede de meu quarto. Meu pai, um contemporâneo de Pelé, gostava inclusive de dizer que tinha nascido no mesmo dia do Rei. Não era bem verdade, mas era quase. O dia do aniversário do meu pai era controverso, pois foi registrado como tendo nascido dia 26 de outubro, mas esse não foi o dia em que nasceu de verdade. Havia alguma multa que meu avô não quis pagar, por ter registrado depois. Gostava então de dizer que nasceu dia 23. O dia de Pelé. Só tinha uma pequena diferença de um ano, um detalhe.

Confesso que, futebolisticamente, nunca entendi muito bem Pelé, pois não vi. Por isso, nesses dias que sucedem sua passagem, queria recomendar o documentário Pelé Eterno. Talvez ainda surjam documentários melhores sobre Pelé, talvez até já existam e eu não os conheça. Mas foi quando eu assisti a Pelé Eterno que passei a entender a importância e a variedade de gols e jogadas do Rei. É um filme de 2004, de Anibal Massaíne Neto, que pode ser visto atualmente na Globoplay. Se você desconfia ou não entende tão bem o porquê de Pelé ser tão reverenciado, procure assistir. Tem gol, assistência, calcanhar, bicicleta, taças, depoimentos. É sensacional.


1: O autógrafo está numa caixa com guardados, que não está na minha casa atual. Vou procurar!
2: É emocionante o encontro de Pelé com Chico Buarque, que você pode ver aqui no Youtube.